terça-feira, 25 de setembro de 2012

Anástrofe e incerteza em Tony Carreira - Ricardo Araújo Pereira

Olá (:

Eu sei que não é costume eu fazer posts deste género mas sem dúvida que eu gostei bastante deste texto. É a prova de que as aulas de Português não são necessariamente algo aborrecido.

Se estiverem interessadas eu aconselho a lerem, é uma crónica do Ricardo Araújo Pereira sobre o Tony Carreira, com uma boa dose de ironia. Sem dúvida que gostei mesmo muito deste texto. Provavelmente muitos de vocês também já o leram mas deixo-o aqui para quem não leu.

"Quem é, hoje, o mais conhecido e apreciado poeta português? A Academia divide-se, o que demonstra, uma vez mais, que a Academia não percebe nada do assunto. Inúmeros portugueses sabem de cor os seus versos - e, no entanto, a Universidade despreza-o, a crítica ignora-o, as selectas barram-lhe a entrada. Valha-nos o povo, especialmente aquela parcela do povo que é constituída por pessoas maiores de 50 anos que o venera. O mais famoso poeta da actualidade é, sem dúvida nenhuma, Tony Carreira. Fazia falta um estudo sério sobre a sua obra. Um pouco vergado sobre o fardo de ser sempre pioneiro a fazer o que faz falta, aqui o apresento.
O primeiro aspecto que o leitor de Tony Carreira deverá ter em conta é o seu universo vocabular. Carreira definiu um vocabulário restrito, não porque queira, como Eugénio de Andrade, estabelecer um conjunto de vocábulos essenciais e, a partir desse núcleo, obter uma expressividade reforçada pelos contextos inesperados em que eles surgem, mas, ao que tudo indica, porque conhece poucas palavras. E a maior parte das que conhece não tem muitas sílabas. Tony Carreira não perde tempo a procurar o adjectivo certo. Na dúvida, é tudo "lindo". É o caso da vida, no poema Não chores mais (« Não chores mais/ não nunca mais/ que a vida é tão linda»), da mãe, em Mãe querida («Hoje velhinha estás, querida mãezinha/ Mas para mim serás sempre tu a mais linda»), de uma casa, em Coração perdido («Hoje vives numa linda casa»), ou de várias coisas, no poema Ai que saudades ( nele, o herói parte de «uma casinha branca tão linda», recorda «esse cantinho doce e tão lindo» e anseia pelo regresso à «ilha linda (...) que o viu nascer», que é, evidentemente, a «a linda Madeira»).
Mas quem é, no fundo, Tony Carreira? No essencial, talvez um vagabundo.
O poeta apresenta-se como «Um eterno vagabundo» (em Quem era eu sem ti), declara: «Sou vagabundo, não vou parar» ( em A minha guitarra ), descreve-se como «Um romântico, meio vagabundo» (em Será que sou feliz), adianta que «Ninguém conseguia mesmo parar /O meu lado vagabundo» (em Um homem muda), define-se como um «Vagabundo feliz» ( em A vida que eu escolhi )e, no belíssimo Eterno Vagabundo, confessa:«Já pensei ter mulher / Ter um lar a condizer / Mas não deu / Porque o meu coração / É vagabundo / Até mais não.» Talvez o melhor retrato do poeta seja, de facto, o deste «vagabundo até mais não», uma vez que, como vimos, há muita indigência na poesia de Carreira ( e aqui estou a ser tão denotativo quanto conotativo ).
Enquanto poeta, Tony Carreira está preocupado com dois problemas principais: a quantidade de frases que, não terminando numa palavra acabada em «ar», não podem rimar com outras frases que terminem numa palavra acabada em «ar» ( e por isso recorre com frequência a belas anástrofes, como emMorena Bonita: «Um dia destes eu com ela vou falar / Vou fazer tudo p'ra seu amor conquistar»); e as idiossincrasias do amor, e as perplexidades que elas causam. Neste capítulo, são exemplares os poemas Qualquer dia posso-me cansar(«E quando as coisas correm mal porque é que tu me ofendes / Se ao fim da noite queres fazer as pazes na cama?») e Cai nos meus braços, Maria ( Tu que estás aí dançando / Faz aquilo que eu desejo / Vem para mim bamboleando / Escorrega nos meus lábios»), sendo que este último parece alertar para o carácter traiçoeiro dos beijos, que ora fazem tropeçar ora saem de lábios escorregadios.
A registar por quem, desejando entregar-se aos prazeres do amor, não queira, ainda assim, partir uma perna.
Fica o incentivo para uma leitura atenta da poesia de Tony Carreira - que, por ser inclassificável, não me sinto capaz de adjectivar. A não ser, talvez, com a expressão:«muito linda». "

Espero que tenham gostado :)
Obrigada!

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